O relógio da Praça da
Estação marca oito horas e alguns minutos, mas poderia ser qualquer outro
horário porque o tempo aqui é o da lembrança. E o som é do trem que ainda corta
a cidade. Há quinze anos, eu deixei o meu lugar. Voltei muitas vezes porque meu
afeto continua lá, mas me faltava aquele olhar de turista, que descobre
novidade onde outros enxergam rotina.
O nosso humilde Big Ben resiste solenemente, compondo a paisagem
do Rio Paraibuna, rio desprezado, acusado de ser feio e poluído. Rio de “águas pardas”
na descrição do poeta Murilo Mendes. Turvo, sim, mas também generoso na sua
largura. E democrático. Mães com carrinhos de bebê, passeios com cachorros,
caminhada, moradores de rua que dormem à beira do rio. Só agora eu descobri,
numa passarela para pedestres, dois banquinhos pra quem quiser dar uma olhada
menos preconceituosa para o nosso Paraibuna.
Cariocas do brejo? Isso é
maldade com a gente... Torcemos, sim, para times do Rio de Janeiro, mas não
trocamos o s pelo x, como dizem
por aí. No máximo, costumamos acrescentar um i antes do s
ou z em palavras como três e arroz, mas é só. A partir daí, já é
implicância gratuita com nosso sotaque.
Ah, não temos mar, mas temos
um Calçadão, onde tudo acontece e todos se encontram. Manifestações, políticos pedindo
votos, gente vivendo o dia-a-dia. O Cine Palace e o Teatro Central. Quem é de
fora sempre põe um som inglês para o nosso H
da Rua Halfeld. Aprenda: na pronúncia de quem é da cidade, o H é ignorado e, cá entre nós, soa bem
menos pedante.
O nosso Calçadão tem os
melhores pipoqueiros que já conheci. O segredo da pipoca que dá fila são os queijinhos
em cubos, quentinhos. Infância na ponta da língua. A coxinha de frango e Catupiry
de uma lanchonete pequena e da época da minha adolescência... O bolo da Casa de
Doces Brasil, cheio de glacê e com recheio inconfundível. Não importa se depois
provei sobremesas mais saborosas e sofisticadas. Esse gosto nunca se perdeu.
Adoro andar sem rumo pelas
galerias estreitas e pelas ruas do centro. Nenhum shopping, por mais requintado
que seja, substitui esse prazer de ter várias lojinhas aconchegantes ou de
fazer compras ao ar livre. E você sempre tromba com algum conhecido, mesmo quem vive longe há muito tempo, como eu.
Vista do Mirante do
Cristo, Juiz de Fora parece cada vez maior e mais alta, com muitos prédios
espremendo as casas. Mas a imagem que me marcou no mês de julho foi a do céu. Na
cidade, nublada por natureza, o inverno costuma tingir a paisagem de azul. Foi
assim nos cinco dias em que estive por lá.
Na hora de ir embora, pouco
antes das 8 da manhã, uma surpresa. Passo pelo mesmo Paraibuna, agora encoberto
pelas brumas. Juiz de Fora embaçada como num sonho. Os carroceiros, às margens
do rio, dão um ar de passado à cena. Só depois que saí de lá é que percebi: JF
deixa meu cabelo rebelde, meio anelado, meio indomável. Mas essa cidade fria e
úmida está dentro de mim. E me deu a maior saudade das manhãs geladas a caminho
da escola.