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domingo, 15 de outubro de 2017

Era uma vez, um celular

     Tinha tudo pra ser um dia comum. Uma segunda-feira de sol. Eu, a caminho da academia. Ia a pé. Gosto de andar pelo bairro e, como fiz tantas outras vezes, aproveitava pra falar com minha mãe. Quando a moto parou ao meu lado, pelo olhar dele, eu já sabia que seria assaltada. Ele ainda tentou fingir que queria apenas uma informação, mas, tão logo conseguiu chegar mais perto, anunciou: “me dá seu celular”. Não tive tempo de explicar a minha mãe o que acontecia, mas ela ouviu uma boa parte do momento de tensão. Assim que ele fugiu, eu só pensava em avisá-la que estava tudo bem comigo. Nada mais me importava naquele momento.
     A sensação é horrível. Medo, raiva, vulnerabilidade. Foi como se tivessem levado meus sapatos e me mandado seguir descalça num asfalto quente. Sem rumo. Ao seguir, sem olhar pra trás, ele ainda me ameaçou que voltaria, caso eu registrasse ocorrência. Mas logo encontrei pessoas solidárias. Na academia, na rua, no posto de gasolina que ficava perto do local do assalto. Depois, a atenção da Joana, que estava na minha casa e com quem pude dividir o drama. De longe, meus pais, meu namorado, minha prima-irmã me apoiando pelo meu telefone fixo ou pelo computador, já que o celular estava em outras mãos. Fiz todos os bloqueios possíveis, registrei a ocorrência e fui trabalhar. 
     O primeiro dia foi horrível! Na manhã seguinte, acordei um pouco mais calma e fiz questão de ir à academia, apesar do medo. Eu precisava vencer isso ou acabaria limitando minha rotina. Foi aí que comecei a observar a vida fora do mundo virtual. Não sem antes pensar se deveria avisar, nas redes sociais, que estaria desconectada por alguns dias, sem WhatsApp, sem celular. Decidi que o silêncio, naquele momento, seria melhor. E cheguei a uma conclusão libertadora: quem quisesse me achar daria seu jeito. Eu não precisava estar acessível o tempo todo.
     Só agora, duas semanas depois, resolvi contar essa história. Conversei com muitas pessoas, ouvi vários casos parecidos, mas comigo nunca tinha ocorrido. Estar desconectada foi como estar de férias. Percebi o quanto a gente se torna dependente do celular. Aquelas olhadas, o tempo todo, pra conferir e-mail, mensagem, a pressa de responder, a prontidão. Como foi bom ficar livre de tudo isso por um tempo...
     Comprei um aparelho pequeno, de 100 reais, e só uso pra falar mesmo. Nem pra torpedo ele serve muito. Mas era a pequena segurança num caso de emergência. Sei que vou precisar retomar o uso do celular inteligente e “exigente”. Nesta semana mesmo, vou reativar meu chip em outro aparelho. Não tive pressa pra voltar. E, amigos queridos, acho que vou ser um pouquinho mais lenta pra responder...
     Minha agenda de papel, que estava praticamente limpa, agora tem páginas e mais páginas de anotações. Comecei a olhar menos pra baixo e mais para as pessoas que circulam pelas ruas. No sinal, em vez da ansiedade de checar informações, observo as árvores coloridas da Avenida Pedro II. O ritmo do pensamento diminuiu.
     Sei que perdi fotos, notas, contatos. Já havia algum tempo que não fazia backup porque sou preguiçosa com isso e porque não achava que seria assaltada. Muito do que sumiu só vou perceber na instante da necessidade. Nada tão importante ou irrecuperável assim. O celular, perdido pra sempre, deixou a lição do desprendimento.
     Não minto. Ainda estou assustada. Meu coração ainda dispara se uma moto chega muito perto. Ando pelas ruas atenta. Mas prefiro acreditar que fui muito protegida. Num dos primeiros dias, em que eu ainda estava triste e insegura, quando voltava pra casa à noite, um Louva-a-Deus, de um verde muito vivo, pousou no vidro do meu carro e, juro, veio comigo até a garagem da minha casa. Uma viagem que durou uns 20 minutos. Uma surpresa poética que, pra mim, foi um sinal e a confirmação da proteção divina!

      

     

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