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quarta-feira, 6 de julho de 2011

Fome do trivial

     Entrei em casa com uma fome daquelas. Não uma fome de qualquer comida. Era fome de salada, vontade rara, muito diferente dos meus desejos frequentes de comer picanha, massas, doces e, especialmente, chocolate. Estava mal alimentada, voltando de uma viagem a trabalho em que não sobrou muito tempo para as refeições. Na geladeira, rúcula e tomates. Mas meus olhos brilharam quando achei um vidrinho de aspargos na prateleira. Foi saboreando aquela delícia tão suave que pensei em outras do tipo: champignon, chuchu, melão. Um sabor tão leve que é quase a falta de sabor...  Leveza pra acalmar o paladar. 
     Logo eu, que amo uma pimentinha, estava ali comendo com a maior boca boa, achando tudo muito especial. E aí entendi: pra reconhecer um extremo, é preciso ter estado no outro. Ter parâmetros para a comparação. Eu só sei o que é picante porque já provei a suavidade. Os contrastes que esclarecem. É na ausência que se descobre a saudade. É na falta de gosto que se encontra um sabor novo. Esmalte branco pra descansar do vermelho. Amigo silencioso pra você se recuperar da necessidade de falar o tempo todo.
     E é essa variedade que não nos deixa enjoar até do que é muito bom. Sim, mesmo o que é gostoso acaba perdendo a graça com a repetição. E, quanto mais exótico, mais a gente quer o trivial. Quem aguenta comer pratos sofisticados todos os dias? Nosso velho e bom arroz-com-feijão faz falta. Traz equilíbrio.
     A rotina também tem seus atrativos. Um dia, um amigo muito engraçadinho, disse: “Mulher da gente é como chuchu. Não tem gosto de nada”. Ok. Talvez ele estivesse se referindo apenas à monotonia do casamento. Mesmo assim, fiquei brava, em solidariedade à esposa do digníssimo e ao chuchu tão desprezado. Deixando de lado o machismo do meu colega, acho que ele se esqueceu de completar que precisa daquele guisadinho todos os dias pra sentir que a vida está normal, sem sobressaltos. E que, se tudo estava meio insosso, é porque ele também havia se esquecido do tempero.
     Como um ingrediente delicado, existem pessoas de presença discreta, que não precisam chamar a atenção, mas fazem toda a diferença quando misturadas ao grupo. Como numa receita culinária, são elas o ponto de contraste. Aquele detalhe que não provoca alterações significativas, mas que, apesar de sutil, é essencial pra deixar a comidinha do dia-a-dia com sabor de quero mais.  
      

6 comentários:

  1. Barbaridade. Que fome. Deu fome inclusive de comer um bom chuchuzinho com carne!
    Minha amiga querida, maravilha de conteúdo (sempre, né).
    Beijo.
    Kelson Henrique

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  2. Um tapa na cara da novidade!
    É isso o que faz a gente buscar gosto em tudo o que faz, por mais rotineiro que possa ser.
    Pode não ser "o" segredo, mas é um belo caminho para o bem estar.
    Adorei, Claudinha.
    Beijo grande.

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  3. Kelson: é uma delícia saber que você, lendo, saboreou comigo a simplicidade da rotina.

    Teo: seu comentário daria uma outra crônica...Adorei quando você disse: "Um tapa na cara da novidade". Bela frase!

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  4. Claudinha, corrigindo e valorizando o casamento e a mulher. Dizem os grandes comediantes : " “Mulher da gente é como chuchu. Não tem gosto de nada", mas se a gente não experimentar de vês em quando o vizinho experimenta” !!!

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  5. Poderíamos criar o Movimento Nacional pela Valorização do Chuchu!!!! Alguém já experimentou comer o chuchu cru, ralado, na salada?!?! é muuuuito bom, experimentem... Quanto às crônicas (que a cg prefer não chamá-las assim, e eu concordo...), ou melhor, os textos, estão a cada dia ficando cada vez mais um "chuchuzinho"...

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  6. Boa cronica abre o apetite para degustar mais de ti parabens ...

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