O
carro passou por mim com cinco pessoas sorridentes e espremidas lá dentro. Não
prestei atenção à marca, mas era um modelo velho, que já saiu do mercado há
muito tempo... O que me fez demorar um pouco mais o olhar, além da lotação e da
alegria dos passageiros, foi o adesivo no vidro: “Presente de Deus!”. Acabei
contagiada pelo riso fácil daqueles desconhecidos e parei pra pensar sobre o
tema que costuma soar meio piegas – a gratidão. Admito minha dificuldade de
enxergar tudo o que tenho de bom na vida. Sou meio insatisfeita por natureza. E
não foi à toa que o carrinho, caindo aos pedaços, despertou a minha
atenção.
Seria muito natural agradecer por um
veículo brilhante, que acabou de sair da concessionária. Mas, naquele caso, o
adesivo era bem mais novo que o carro... Este, sim, é um desafio. Saber
valorizar o que se conquistou, ainda que, aos olhos dos outros, possa parecer
irrelevante.
Gratidão a Deus, como o flagrante no trânsito,
ou à vida, ao Universo e, principalmente, a quem estiver perto de você. Tanto
faz. Nem sempre consigo, mas tento fugir daquela sensação de que o mundo está me
devendo algo – no sentido da felicidade mesmo. Esse é um pensamento que
atrapalha qualquer possibilidade de gratidão.
Sei que tenho motivos pra agradecer – pela
minha família, pelos amigos, pelo bom emprego, pela saúde. Posso aumentar a
lista, incluindo gestos que fizeram algum momento valer a pena – uma música
linda que alguém me apresentou, uma frase engraçada que ouvi, um presente que é
a minha cara, o sorriso verdadeiro ou o abraço apertado daquelas pessoas
afetuosas que cumprimentam com vontade, a companhia nas horas em que me senti
mais vulnerável, os ouvidos generosos, o ombro emprestado.
Quase impossível é ter gratidão por um “professor”
cruel. Alguém que chegou a magoar você e até forçou algum tipo de decisão, mas
acabou lhe ensinando a reagir. Pode ser no trabalho ou numa relação amorosa...Tempos
depois, você entende que essas pessoas foram importantes exatamente por isso. Funcionaram
como a mola que nos empurra, nem sempre da forma mais delicada.
A revista Vida Simples trouxe matéria de
capa sobre o assunto, citando pesquisas que concluíram que saber agradecer
“ativa o mecanismo de recompensa no cérebro e provoca uma profunda sensação de
bem-estar e alegria”. Segundo a reportagem, as pessoas mais gratas são aquelas
que enfrentaram mais dificuldades. E aí eu volto à família alegre do carro
desbotado. Eles só estavam circulando pelas ruas de BH porque conseguiram
comprar aquele veículo. Nunca se sabe quantos esforços fizeram pra ganhar o
dinheiro...
Falar “obrigada” é simples, é educado.
Agradecer é mais que isso. É reconhecimento. Agradecer de verdade não é só da boca
pra fora. É com o coração. E faz bem mesmo! Só de escrever este texto me deu
vontade de encontrar várias pessoas e de falar o quanto foram ou são essenciais
pra mim.
(A reportagem citada está na edição de junho de 2014 da revista Vida
Simples.)