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terça-feira, 12 de agosto de 2014

Obrigada!

     O carro passou por mim com cinco pessoas sorridentes e espremidas lá dentro. Não prestei atenção à marca, mas era um modelo velho, que já saiu do mercado há muito tempo... O que me fez demorar um pouco mais o olhar, além da lotação e da alegria dos passageiros, foi o adesivo no vidro: “Presente de Deus!”. Acabei contagiada pelo riso fácil daqueles desconhecidos e parei pra pensar sobre o tema que costuma soar meio piegas – a gratidão. Admito minha dificuldade de enxergar tudo o que tenho de bom na vida. Sou meio insatisfeita por natureza. E não foi à toa que o carrinho, caindo aos pedaços, despertou a minha atenção. 
    
     Seria muito natural agradecer por um veículo brilhante, que acabou de sair da concessionária. Mas, naquele caso, o adesivo era bem mais novo que o carro... Este, sim, é um desafio. Saber valorizar o que se conquistou, ainda que, aos olhos dos outros, possa parecer irrelevante.

     Gratidão a Deus, como o flagrante no trânsito, ou à vida, ao Universo e, principalmente, a quem estiver perto de você. Tanto faz. Nem sempre consigo, mas tento fugir daquela sensação de que o mundo está me devendo algo – no sentido da felicidade mesmo. Esse é um pensamento que atrapalha qualquer possibilidade de gratidão.

     Sei que tenho motivos pra agradecer – pela minha família, pelos amigos, pelo bom emprego, pela saúde. Posso aumentar a lista, incluindo gestos que fizeram algum momento valer a pena – uma música linda que alguém me apresentou, uma frase engraçada que ouvi, um presente que é a minha cara, o sorriso verdadeiro ou o abraço apertado daquelas pessoas afetuosas que cumprimentam com vontade, a companhia nas horas em que me senti mais vulnerável, os ouvidos generosos, o ombro emprestado.  

     Quase impossível é ter gratidão por um “professor” cruel. Alguém que chegou a magoar você e até forçou algum tipo de decisão, mas acabou lhe ensinando a reagir. Pode ser no trabalho ou numa relação amorosa...Tempos depois, você entende que essas pessoas foram importantes exatamente por isso. Funcionaram como a mola que nos empurra, nem sempre da forma mais delicada.

     A revista Vida Simples trouxe matéria de capa sobre o assunto, citando pesquisas que concluíram que saber agradecer “ativa o mecanismo de recompensa no cérebro e provoca uma profunda sensação de bem-estar e alegria”. Segundo a reportagem, as pessoas mais gratas são aquelas que enfrentaram mais dificuldades. E aí eu volto à família alegre do carro desbotado. Eles só estavam circulando pelas ruas de BH porque conseguiram comprar aquele veículo. Nunca se sabe quantos esforços fizeram pra ganhar o dinheiro...

      Falar “obrigada” é simples, é educado. Agradecer é mais que isso. É reconhecimento. Agradecer de verdade não é só da boca pra fora. É com o coração. E faz bem mesmo! Só de escrever este texto me deu vontade de encontrar várias pessoas e de falar o quanto foram ou são essenciais pra mim.

(A reportagem citada está na edição de junho de 2014 da revista Vida Simples.)

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Amor ou degustação?

     Falar de amor é sempre tão repetitivo... A sensação que se tem é que mudam os personagens, mas os romances começam e se acabam de forma muito parecida. Costumo ter conversas intermináveis com amigos sobre os contrastes entre as paixões e os casamentos que caíram na rotina. Aí todos têm alguma opinião já formada ou experimentada. O que deixa muita gente sem palavras, inclusive eu, é entender por que há tantas pessoas sozinhas por aí se outras tantas pessoas dizem que querem encontrar o amor.

     Afinal, um lado não cruza o caminho do outro? É fato que muita gente não quer se comprometer. Mas, e quando os dois querem e não conseguem se acertar? Onde é que o doce perde o ponto? Uma palavra errada, um olhar atravessado, uma interpretação precipitada sobre o que aquela pessoa pode lhe oferecer? Medo das diferenças ou trauma de uma relação anterior? Conheço homens e mulheres que fogem exatamente quando percebem que o outro se declarou ou simplesmente se mostrou disposto a encarar o desafio. E há aqueles que se afastam porque acharam o outro frio demais ou distante demais...

     O que eu vejo é que muitos não dão tempo nem para a possibilidade de que o sentimento aconteça ou amadureça. Já chegam com suas conclusões apressadas, fazem de tudo pra confirmar aquelas convicções e, satisfeitos com a própria razão, partem para a próxima conquista.  

     A gente se acostumou a ter muitos “contatos” e vive na falsa ilusão do excesso. É uma escolha e cada um sabe o que quer para si. Quem sou eu pra questionar o que traz alegria... Você pode desejar apenas alguém pra se divertir. Que mal há nisso? Sair pra conversar, rir, ir a um show ou cinema e até fingir um namoro num dia de carência. Distração garantida sem qualquer peso. Quase como uma degustação, amostra grátis, sem compromisso.


     Mas, e se a outra pessoa quiser alguém para namorar de verdade? Você quer a fantasia e ela busca aquele amor pé no chão com tudo o que isso pressupõe. Amor de supermercado. Amor arroz com feijão! Quando esses dois se encontram, o choque é certo.  Pior ainda, como escreveu Carlos Drummond de Andrade, é quando “João amava Teresa que amava Raimundo...” Nesse desencontro de afetos, ninguém sai satisfeito, na poesia ou na vida.  Se há algo que essa troca de parceiros não garante é a cumplicidade, a intimidade, o convívio intenso, a companhia de alguém que não tem pressa pra esgotar o romance.