Dourado é a cor do luxo, da realeza, mas é também a cor do
sol. E sol é símbolo de vida. O tom que tinge o mês de novembro lembra um
assunto delicado: o câncer infantil. No lançamento da campanha, em Belo
Horizonte, a oncologista Eliana Cavacami deixou que as crianças raspassem sua
cabeça. A cena emociona demais! Nós, mulheres vaidosas, cuidamos do cabelo como
parte fundamental da identidade feminina. O desprendimento e a abnegação da
médica mostram o quanto estamos longe do que realmente importa.
A reportagem mexeu comigo. Eu me senti inútil num primeiro
momento. E acomodada também. Ao mesmo tempo, fiquei imaginando a sutileza da
situação. Como explicar a elas, às crianças, que é preciso fazer um tratamento
difícil, que a vida vai ter que reduzir o ritmo? Com que palavras ou
argumentos? Criança quer correr, brincar. Quer ter sonhos e ter futuro. Só
isso. E nada disso combina com doença, com qualquer doença. Mas aí chega a
notícia e é preciso quebrar o mundo da fantasia com algo tão sério.
Nessa hora, os pais ganham aliados. Pessoas que trabalham
nas instituições de apoio aos pequenos pacientes. E, apesar do drama, o que
eles buscam é a alegria. Festas, sessões de cinema, brincadeiras. Vale tudo pra
tentar diminuir o sofrimento e a dor. A fé nas mais diversas religiões e o
conforto de uma casa que recebe crianças e adolescentes de Minas e de outros
estados.
A fundação Sara nasceu de uma história triste há 16 anos.
Pais que perderam uma menina de quatro anos resolveram agir. A perda cruel
motivou um grande gesto de solidariedade. Nesse período, mais de 700 pacientes
passaram pela instituição. A casa tem 13 funcionários e cerca de 100
voluntários, mas ainda é pouco.
Eles fazem de tudo e se revezam nas funções. Trabalham na
limpeza, na organização dos alimentos, no atendimento telefônico, no
transporte, na comunicação. Cuidam da parte elétrica ou eletrônica, dão aulas,
acompanham crianças em consultas.
Sempre que entrevisto voluntários, a conversa é a mesma.
Eles recebem muito mais do que oferecem. Já realizei alguns trabalhos do tipo e
também tive essa sensação de fazer diferença na vida de alguém. Mas não é fácil
dar a partida. A gente tem preguiça de começar, imagina que não vai estar à
altura do esforço, que não tem tempo pra se dedicar. E há até aquela sensação
de que você não pode ajudar muito...
Até que o gesto de alguém te acorda. Eu me senti assim
quando vi o cabelo da oncologista sendo raspado e o tom de emoção na voz dela.
Imagino a leveza com que deitou a cabeça no travesseiro naquele dia em que
inverteu o jogo e se pôs de verdade no lugar das crianças. Imagino
principalmente como os pequenos se sentiram, ganhando a adesão da médica ao que
pra eles deve parecer assustador.
Eu até cheguei a pesquisar números sobre o câncer infantil
no país. Mas acho que, mais importante que esses dados, é saber que, se a
doença for descoberta no início, as chances de cura são em torno de 70%. Por
isso, as instituições defendem maior acesso aos exames e mais médicos
preparados para o diagnóstico aos primeiros sintomas.
O novembro dourado é uma campanha pra abrir os olhos, pra
conseguir mais voluntários. Eu resolvi contribuir de algum jeito, escrevendo
esta crônica. Isso é nada, comparado ao que outras pessoas fazem. Mas é uma
ideia... Quem sabe mais alguém se sensibiliza? O que eu desejo é que o mês seja
mais iluminado, que as crianças tenham seu lugar ao sol e que a infância e a
adolescência tenham menos sombras.