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domingo, 22 de outubro de 2017

Letras

Eu leio poesia como quem se afoga
Escrevo poesia como sobrevivente
Eu me agarro às palavras
Estou faminta de rimas
Mastigo letras
Engulo sílabas
Bebo frases
Fico tonta
Enjoada
Quando volto
à superfície da realidade.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Sutilezas

Eu falo de delicadeza
Falo do tecido fresco e macio
que roça a pele

Da passagem sutil de um anjo 
uma lembrança
que traz um sorriso
Ou o sussurro de palavras ao vento

Do cheiro de alecrim e bergamota
que deixa a alma limpa e feliz

Eu falo de coisas pequenas
De um beijo estalado no rosto
De uma flor escondida
no canto do jardim

Falo de tudo
o que não é notado
Num mundo que grita
Que viola
Que desrespeita

Eu falo de sutilezas.

domingo, 15 de outubro de 2017

Era uma vez, um celular

     Tinha tudo pra ser um dia comum. Uma segunda-feira de sol. Eu, a caminho da academia. Ia a pé. Gosto de andar pelo bairro e, como fiz tantas outras vezes, aproveitava pra falar com minha mãe. Quando a moto parou ao meu lado, pelo olhar dele, eu já sabia que seria assaltada. Ele ainda tentou fingir que queria apenas uma informação, mas, tão logo conseguiu chegar mais perto, anunciou: “me dá seu celular”. Não tive tempo de explicar a minha mãe o que acontecia, mas ela ouviu uma boa parte do momento de tensão. Assim que ele fugiu, eu só pensava em avisá-la que estava tudo bem comigo. Nada mais me importava naquele momento.
     A sensação é horrível. Medo, raiva, vulnerabilidade. Foi como se tivessem levado meus sapatos e me mandado seguir descalça num asfalto quente. Sem rumo. Ao seguir, sem olhar pra trás, ele ainda me ameaçou que voltaria, caso eu registrasse ocorrência. Mas logo encontrei pessoas solidárias. Na academia, na rua, no posto de gasolina que ficava perto do local do assalto. Depois, a atenção da Joana, que estava na minha casa e com quem pude dividir o drama. De longe, meus pais, meu namorado, minha prima-irmã me apoiando pelo meu telefone fixo ou pelo computador, já que o celular estava em outras mãos. Fiz todos os bloqueios possíveis, registrei a ocorrência e fui trabalhar. 
     O primeiro dia foi horrível! Na manhã seguinte, acordei um pouco mais calma e fiz questão de ir à academia, apesar do medo. Eu precisava vencer isso ou acabaria limitando minha rotina. Foi aí que comecei a observar a vida fora do mundo virtual. Não sem antes pensar se deveria avisar, nas redes sociais, que estaria desconectada por alguns dias, sem WhatsApp, sem celular. Decidi que o silêncio, naquele momento, seria melhor. E cheguei a uma conclusão libertadora: quem quisesse me achar daria seu jeito. Eu não precisava estar acessível o tempo todo.
     Só agora, duas semanas depois, resolvi contar essa história. Conversei com muitas pessoas, ouvi vários casos parecidos, mas comigo nunca tinha ocorrido. Estar desconectada foi como estar de férias. Percebi o quanto a gente se torna dependente do celular. Aquelas olhadas, o tempo todo, pra conferir e-mail, mensagem, a pressa de responder, a prontidão. Como foi bom ficar livre de tudo isso por um tempo...
     Comprei um aparelho pequeno, de 100 reais, e só uso pra falar mesmo. Nem pra torpedo ele serve muito. Mas era a pequena segurança num caso de emergência. Sei que vou precisar retomar o uso do celular inteligente e “exigente”. Nesta semana mesmo, vou reativar meu chip em outro aparelho. Não tive pressa pra voltar. E, amigos queridos, acho que vou ser um pouquinho mais lenta pra responder...
     Minha agenda de papel, que estava praticamente limpa, agora tem páginas e mais páginas de anotações. Comecei a olhar menos pra baixo e mais para as pessoas que circulam pelas ruas. No sinal, em vez da ansiedade de checar informações, observo as árvores coloridas da Avenida Pedro II. O ritmo do pensamento diminuiu.
     Sei que perdi fotos, notas, contatos. Já havia algum tempo que não fazia backup porque sou preguiçosa com isso e porque não achava que seria assaltada. Muito do que sumiu só vou perceber na instante da necessidade. Nada tão importante ou irrecuperável assim. O celular, perdido pra sempre, deixou a lição do desprendimento.
     Não minto. Ainda estou assustada. Meu coração ainda dispara se uma moto chega muito perto. Ando pelas ruas atenta. Mas prefiro acreditar que fui muito protegida. Num dos primeiros dias, em que eu ainda estava triste e insegura, quando voltava pra casa à noite, um Louva-a-Deus, de um verde muito vivo, pousou no vidro do meu carro e, juro, veio comigo até a garagem da minha casa. Uma viagem que durou uns 20 minutos. Uma surpresa poética que, pra mim, foi um sinal e a confirmação da proteção divina!

      

     

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Antes que seja tarde

Antes que seja tarde
Fale tudo
Sem rodeios
Sem timidez
Sem contar palavras
Com delicadeza

Fale do amor escondido
Da mágoa contida
De tudo
que sempre se guarda pra amanhã 

Fale da alegria
Do imprescindível
Da presença que é ainda quente
Antes que tudo esfrie

Antes que seja tarde
Fale amenidades
Declare a saudade
Derreta-se em elogios

Olhe fundo
Abrace forte
Aperte as mãos

Antes que seja tarde
Perceba
Insista
Apure o olhar 
E cada um dos sentidos

Antes que seja tarde
Viva!



domingo, 2 de julho de 2017

O excesso que anestesia

     Pimenta nunca me assustou. Gosto de sentir a boca queimando, os olhos se enchendo de água e do calor que toma conta do corpo. Uma vez, num jantar em Diamantina, o garçom se aproximou pra dizer que nunca tinha visto alguém comer pimenta tão tranquilamente. Era daquelas fortes e eu tinha misturado umas três ao prato de comida mineira. Uma delícia!
     Enfim, eu achava que não tinha medo desse tempero até ir ao México... É claro que esperava algo mais picante, mas nunca imaginei o quanto poderia ser incômodo. Os bares oferecem 3 ou 4 molhos já nos pratos de entrada. Eu fui aos poucos. Só uma pontinha, mas era insuportável. Uma queimação sem sentido. Sem gosto, puro fogo. E assim foi durante os 11 dias em que estive por lá. Eu, correndo das pimentas. São lindas, coloridas, cheirosas, de muitos tipos e tamanhos, mas, pra mim, eram só pra olhar. Tem até canteiro no Parque Chapultepec, na Cidade do México.
     Admirei tudo, mas não queria mais provar os molhos e olhava, desconfiada, o cardápio. Apelei para a comida italiana. Num restaurante que prometia ser leve e saudável, pedi um macarrão cabelo de anjo com amendoim e legumes. Mas o prato, que chegou lindo, não tinha nada de angelical. Não consegui comer nem a metade e precisei secar os olhos com um guardanapo como se eu tivesse acabado de ter uma crise de choro. Puro descontrole.
     O exagero tinha acabado com o prazer. Eu não sentia o sabor de mais nada. Só o predomínio de algo que pretendia se impor. Sabe aquela presença de alguém que não deixa mais ninguém conversar e quer ser o centro das atenções a qualquer custo? E aquelas pessoas que nem sabem qual é o assunto e já chegam dando opinião? Excesso de comida, de bebida, de palavras, de imagens, de barulho, de violência. Alegria forçada quando o silêncio poderia falar mais. Pois é, pra mim, as pimentas loucas do México são assim.
     Uma overdose que cansa, que dá vontade de voltar pro nosso arroz com feijão, temperado com bastante alho, para as nossas malaguetas vermelhinhas que ardem na medida certa. Excesso, até de doce, enjoa. Excesso de luz ofusca. Excesso de água alaga. Excesso atropela e, no limite, anestesia.

domingo, 18 de junho de 2017

Apesar do perigo

     Eu havia subido mais de 400 degraus pra ver uma cachoeira. E o guia tinha avisado logo no começo: o tempo seria curto lá em cima. Uma visão rápida da paisagem, algumas fotos pra registrar a beleza e os mesmos 400 degraus de descida. Resolvi encarar o desafio porque sabia que a imagem recompensaria o esforço. Fui aos poucos, sentindo as pernas pesadas, a respiração ofegante, mas consegui.
     A cachoeira Véu da Noiva, em Cascadas de Chiflón, não decepcionou. Era realmente linda, de tirar o pouco fôlego que me restava. Um barulho forte e muita, muita água. Exuberante e assustadora. Só se podia mesmo admirá-la porque a violência da queda, de uma altura de 180 metros, não permitia a entrada nem mesmo dos mais corajosos.
     Tirei o máximo de fotos que pude e já era hora da descida. O risco maior estava no céu. Nuvens inchadas e cinzas... E logo vieram os trovões. O guia alertou que era preciso acelerar o grupo antes que a chuva caísse. E lá fomos nós, turistas obedientes e apressados, descendo os degraus. Imagine o meu medo de raios que estariam por vir ou de um tombo nas pedras que, em breve, estariam molhadas e escorregadias. Nem pensei no cansaço. Fui mais rápida que a tempestade.
     Já fora de perigo, eu me perguntei o que leva a gente a correr riscos - numa viagem ou na própria vida. O México é um país de terremotos - houve um pequeno abalo no pouco tempo em que estive por lá. O trânsito na capital é caótico. Há vulcões. E, no meu passeio ao interior do país, a tal cachoeira também me pareceu uma bela ameaça. Mas lá estava eu com a minha curiosidade valente.
     Há dois anos, numa caminhada pela floresta do Tapajós, em Alter do Chão, no Pará, tive a mesma sensação. Éramos apenas quatro pessoas, no mundo habitado por bichos e, coincidentemente, um temporal rondava o percurso.
     A conclusão nas duas situações: se a gente realmente tentar prever todos os riscos que poderão estar no caminho, ninguém sai de casa. E ainda assim não está a salvo.
     Quantos aviões passam sobre meu prédio todos os dias, quantos carros cruzam o meu trajeto? O medo paralisa. E, por isso mesmo, melhor não pensar nisso.
     Se eu deixasse de ir à cachoeira, não teria me encantado com tanto poder da natureza. Se eu desistisse do passeio na floresta, não teria visto as cores mais diferentes de borboletas, que já não voam mais pela cidade.
     Se eu não saio de casa,  posso ficar no conforto, mas deixo de descobrir, de experimentar, de aprender. É por isso que viajo. E, quando volto, sempre trago comigo a coragem pra viver, apesar do perigo que é a própria vida.

   
   
   

domingo, 4 de dezembro de 2016

Que o amor seja bem-vindo

Quando for mistura de desejo e aconchego
De loucura e ternura
E não porque seja rima fácil

Que o amor seja bem-vindo

Na ansiedade dos beijos adolescentes
Ou na deliciosa serenidade do amor maduro,
que não se cansou de esperar
Nem envelheceu o olhar

Que o amor seja bem-vindo

Quando for sincero e corajoso
Sem medo de sombras
Disposto a se declarar à luz do dia

Amor que vai ao supermercado
Ou que se derrama em noite de lua cheia
Arroz com feijão ou vinho tinto

Que o amor seja bem-vindo

No pico de uma gargalhada
Ou na tristeza mais funda

Que o amor seja bem-vindo

No abraço forte das chegadas e despedidas
Que as despedidas sejam por pouco tempo
Que as palavras sejam sempre um "até breve"
Porque, ah, como eu odeio um adeus!