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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Por um novembro dourado



Dourado é a cor do luxo, da realeza, mas é também a cor do sol. E sol é símbolo de vida. O tom que tinge o mês de novembro lembra um assunto delicado: o câncer infantil. No lançamento da campanha, em Belo Horizonte, a oncologista Eliana Cavacami deixou que as crianças raspassem sua cabeça. A cena emociona demais! Nós, mulheres vaidosas, cuidamos do cabelo como parte fundamental da identidade feminina. O desprendimento e a abnegação da médica mostram o quanto estamos longe do que realmente importa.

A reportagem mexeu comigo. Eu me senti inútil num primeiro momento. E acomodada também. Ao mesmo tempo, fiquei imaginando a sutileza da situação. Como explicar a elas, às crianças, que é preciso fazer um tratamento difícil, que a vida vai ter que reduzir o ritmo? Com que palavras ou argumentos? Criança quer correr, brincar. Quer ter sonhos e ter futuro. Só isso. E nada disso combina com doença, com qualquer doença. Mas aí chega a notícia e é preciso quebrar o mundo da fantasia com algo tão sério.

Nessa hora, os pais ganham aliados. Pessoas que trabalham nas instituições de apoio aos pequenos pacientes. E, apesar do drama, o que eles buscam é a alegria. Festas, sessões de cinema, brincadeiras. Vale tudo pra tentar diminuir o sofrimento e a dor. A fé nas mais diversas religiões e o conforto de uma casa que recebe crianças e adolescentes de Minas e de outros estados.

A fundação Sara nasceu de uma história triste há 16 anos. Pais que perderam uma menina de quatro anos resolveram agir. A perda cruel motivou um grande gesto de solidariedade. Nesse período, mais de 700 pacientes passaram pela instituição. A casa tem 13 funcionários e cerca de 100 voluntários, mas ainda é pouco.

Eles fazem de tudo e se revezam nas funções. Trabalham na limpeza, na organização dos alimentos, no atendimento telefônico, no transporte, na comunicação. Cuidam da parte elétrica ou eletrônica, dão aulas, acompanham crianças em consultas.

Sempre que entrevisto voluntários, a conversa é a mesma. Eles recebem muito mais do que oferecem. Já realizei alguns trabalhos do tipo e também tive essa sensação de fazer diferença na vida de alguém. Mas não é fácil dar a partida. A gente tem preguiça de começar, imagina que não vai estar à altura do esforço, que não tem tempo pra se dedicar. E há até aquela sensação de que você não pode ajudar muito...

Até que o gesto de alguém te acorda. Eu me senti assim quando vi o cabelo da oncologista sendo raspado e o tom de emoção na voz dela. Imagino a leveza com que deitou a cabeça no travesseiro naquele dia em que inverteu o jogo e se pôs de verdade no lugar das crianças. Imagino principalmente como os pequenos se sentiram, ganhando a adesão da médica ao que pra eles deve parecer assustador.

Eu até cheguei a pesquisar números sobre o câncer infantil no país. Mas acho que, mais importante que esses dados, é saber que, se a doença for descoberta no início, as chances de cura são em torno de 70%. Por isso, as instituições defendem maior acesso aos exames e mais médicos preparados para o diagnóstico aos primeiros sintomas.

O novembro dourado é uma campanha pra abrir os olhos, pra conseguir mais voluntários. Eu resolvi contribuir de algum jeito, escrevendo esta crônica. Isso é nada, comparado ao que outras pessoas fazem. Mas é uma ideia... Quem sabe mais alguém se sensibiliza? O que eu desejo é que o mês seja mais iluminado, que as crianças tenham seu lugar ao sol e que a infância e a adolescência tenham menos sombras.


terça-feira, 12 de agosto de 2014

Obrigada!

     O carro passou por mim com cinco pessoas sorridentes e espremidas lá dentro. Não prestei atenção à marca, mas era um modelo velho, que já saiu do mercado há muito tempo... O que me fez demorar um pouco mais o olhar, além da lotação e da alegria dos passageiros, foi o adesivo no vidro: “Presente de Deus!”. Acabei contagiada pelo riso fácil daqueles desconhecidos e parei pra pensar sobre o tema que costuma soar meio piegas – a gratidão. Admito minha dificuldade de enxergar tudo o que tenho de bom na vida. Sou meio insatisfeita por natureza. E não foi à toa que o carrinho, caindo aos pedaços, despertou a minha atenção. 
    
     Seria muito natural agradecer por um veículo brilhante, que acabou de sair da concessionária. Mas, naquele caso, o adesivo era bem mais novo que o carro... Este, sim, é um desafio. Saber valorizar o que se conquistou, ainda que, aos olhos dos outros, possa parecer irrelevante.

     Gratidão a Deus, como o flagrante no trânsito, ou à vida, ao Universo e, principalmente, a quem estiver perto de você. Tanto faz. Nem sempre consigo, mas tento fugir daquela sensação de que o mundo está me devendo algo – no sentido da felicidade mesmo. Esse é um pensamento que atrapalha qualquer possibilidade de gratidão.

     Sei que tenho motivos pra agradecer – pela minha família, pelos amigos, pelo bom emprego, pela saúde. Posso aumentar a lista, incluindo gestos que fizeram algum momento valer a pena – uma música linda que alguém me apresentou, uma frase engraçada que ouvi, um presente que é a minha cara, o sorriso verdadeiro ou o abraço apertado daquelas pessoas afetuosas que cumprimentam com vontade, a companhia nas horas em que me senti mais vulnerável, os ouvidos generosos, o ombro emprestado.  

     Quase impossível é ter gratidão por um “professor” cruel. Alguém que chegou a magoar você e até forçou algum tipo de decisão, mas acabou lhe ensinando a reagir. Pode ser no trabalho ou numa relação amorosa...Tempos depois, você entende que essas pessoas foram importantes exatamente por isso. Funcionaram como a mola que nos empurra, nem sempre da forma mais delicada.

     A revista Vida Simples trouxe matéria de capa sobre o assunto, citando pesquisas que concluíram que saber agradecer “ativa o mecanismo de recompensa no cérebro e provoca uma profunda sensação de bem-estar e alegria”. Segundo a reportagem, as pessoas mais gratas são aquelas que enfrentaram mais dificuldades. E aí eu volto à família alegre do carro desbotado. Eles só estavam circulando pelas ruas de BH porque conseguiram comprar aquele veículo. Nunca se sabe quantos esforços fizeram pra ganhar o dinheiro...

      Falar “obrigada” é simples, é educado. Agradecer é mais que isso. É reconhecimento. Agradecer de verdade não é só da boca pra fora. É com o coração. E faz bem mesmo! Só de escrever este texto me deu vontade de encontrar várias pessoas e de falar o quanto foram ou são essenciais pra mim.

(A reportagem citada está na edição de junho de 2014 da revista Vida Simples.)

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Amor ou degustação?

     Falar de amor é sempre tão repetitivo... A sensação que se tem é que mudam os personagens, mas os romances começam e se acabam de forma muito parecida. Costumo ter conversas intermináveis com amigos sobre os contrastes entre as paixões e os casamentos que caíram na rotina. Aí todos têm alguma opinião já formada ou experimentada. O que deixa muita gente sem palavras, inclusive eu, é entender por que há tantas pessoas sozinhas por aí se outras tantas pessoas dizem que querem encontrar o amor.

     Afinal, um lado não cruza o caminho do outro? É fato que muita gente não quer se comprometer. Mas, e quando os dois querem e não conseguem se acertar? Onde é que o doce perde o ponto? Uma palavra errada, um olhar atravessado, uma interpretação precipitada sobre o que aquela pessoa pode lhe oferecer? Medo das diferenças ou trauma de uma relação anterior? Conheço homens e mulheres que fogem exatamente quando percebem que o outro se declarou ou simplesmente se mostrou disposto a encarar o desafio. E há aqueles que se afastam porque acharam o outro frio demais ou distante demais...

     O que eu vejo é que muitos não dão tempo nem para a possibilidade de que o sentimento aconteça ou amadureça. Já chegam com suas conclusões apressadas, fazem de tudo pra confirmar aquelas convicções e, satisfeitos com a própria razão, partem para a próxima conquista.  

     A gente se acostumou a ter muitos “contatos” e vive na falsa ilusão do excesso. É uma escolha e cada um sabe o que quer para si. Quem sou eu pra questionar o que traz alegria... Você pode desejar apenas alguém pra se divertir. Que mal há nisso? Sair pra conversar, rir, ir a um show ou cinema e até fingir um namoro num dia de carência. Distração garantida sem qualquer peso. Quase como uma degustação, amostra grátis, sem compromisso.


     Mas, e se a outra pessoa quiser alguém para namorar de verdade? Você quer a fantasia e ela busca aquele amor pé no chão com tudo o que isso pressupõe. Amor de supermercado. Amor arroz com feijão! Quando esses dois se encontram, o choque é certo.  Pior ainda, como escreveu Carlos Drummond de Andrade, é quando “João amava Teresa que amava Raimundo...” Nesse desencontro de afetos, ninguém sai satisfeito, na poesia ou na vida.  Se há algo que essa troca de parceiros não garante é a cumplicidade, a intimidade, o convívio intenso, a companhia de alguém que não tem pressa pra esgotar o romance.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Olá, queridos leitores, 

Não se assustem com o sumiço das crônicas. O blog Licor de Cassis fica temporariamente fora do ar... Em breve, novos textos vão aparecer por aqui.

E, em maio, publico um livro, com lançamento previsto em Juiz de Fora e Belo Horizonte. Mando notícias...

Muito obrigada pela companhia no espaço virtual e não desapareçam!

Informações também na minha página no Facebook.



segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Quando a poesia foge de mim...

     Naquele dia de caminhada pela orla da Pampulha, inexplicavelmente, tudo parecia mais lindo. O céu se apresentava num azul inacreditável. A água, apesar da poluição, brilhava num tom diferente para olhos mais atentos. O vento tornava a temperatura ideal, não incomodava, soprava na hora certa. E, pra completar, uma garça resolveu se exibir no momento em que eu passava. Bateu as asas e depois saiu, deslizando pelo ar e levando minha imaginação naquele voo branco.

     Parecia um balé que combinava com a música que eu ouvia... E com os movimentos de quem passava. As pessoas pareciam mais bonitas e felizes. E eu agradeci por ter conseguido ver tudo aquilo e por ter me deixado contagiar pelo dia especial.

     Na manhã seguinte, voltei à lagoa, na expectativa de rever aquelas imagens, de repetir os sentimentos. Nada... A água estava esverdeada, o calor me desanimava, o céu se mostrava mais pesado e as garças já não eram tão elegantes. O cenário era o mesmo, mas não adiantou chamar: a magia não veio colorir meu dia. Como já disse Adélia Prado: “De vez em quando, Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo.”

     E foi vendo cada uma dessas pedras que decidi cumprir o percurso - pelo menos, uma hora de caminhada. E lá fui eu, olhando para o chão, meio emburrada. Pra passar o tempo, resolvi contar passos, marcar os metros percorridos, somar os minutos. Tudo muito calculado. Era a matemática se opondo à poesia da véspera. A obstinação apareceu pra compensar a falta da fantasia.

     Sem querer ser pessimista, acho que não dá pra negar que, na rotina, os dias mágicos costumam ser poucos, quase exceções. Como diz uma repórter, que sempre se dedicou muito ao trabalho, é preciso “pedalar forte” pra dar conta de tudo. Suar, cansar-se, fazer o que você não tem vontade, simplesmente, porque é necessário. Isso não é negativo. É essa determinação que faz a gente pular da cama e viver o que está do lado de fora.

     Não é só na vida profissional. Uma amiga decidiu usar essa força de vontade pra conquistar um namorado. Ela é bonita, inteligente, bem-sucedida e sempre foi romântica, buscando o parceiro com todas aquelas qualidades que nós sonhamos. Pois, decidiu começar 2014 com outra cabeça. Não acredita mais nas palavras doces dos candidatos. Observa as ações e analisa um a um. O romantismo foi posto de lado. Ela agora tem metas e critérios para o amor. Vai encontrar seu príncipe nada encantado e ponto final.

     Voltando ao meu dia sem graça, entre um pensamento e outro, até consegui dar uma corridinha na orla. Como atividade física, aquela manhã foi produtiva. E, mesmo com a total falta de inspiração, tive a ideia de escrever esta crônica. Valeu! Os dias chatos, às vezes, provocam essas reações. Você se empenha tanto que acaba obtendo resultados melhores do que nas horas em que está leve demais. É claro que prefiro sempre os momentos de poesia, mas, enquanto não chegam, vou andando por aí, com minha obstinação taurina, contando as pedras do caminho.